04 dezembro, 2006

O ZÉ E O LULA



Texto escrito antes do primeiro turno da eleição presidencial.


São Paulo, Setembro de 2006.


Talvez eu tenha encontrado a materialização da minha insatisfação com o Governo Lula. Sábado acompanhei meu amigo Zé ao Hospital Universitário (HU), para avaliar uma contusão sofrida por ele em nosso futebol semanal.
Estabelecimento ligado à Universidade de São Paulo (USP) de responsabilidade do governo do Estado, mas a questão do descaso, em meu coração, fere princípios e não burocracias. Assim aponto minhas baterias para Brasília ou São Bernardo, como queiram.

A demora para o atendimento, a atmosfera sombria, o ambiente carregado e o desinteresse, dão o tom efetivo de como é tratada a questão da saúde pública no Brasil.
O consolo dos que esperam é a TV, ligada na Globo, transmitindo o programa Zorra Total. Não preciso dizer mais nada.

A visita tem início quando o computador responsável pela triagem identifica como inválida a carteirinha do meu amigo, desde o ano de 2004. Pesquisador e Doutorando, freqüenta diariamente a Universidade. Depois desta explicação e do Aaaahhhh! Então tudo bem, do funcionário, ele é encaminhado à primeira triagem, onde idosos, crianças e Zés, esperam indistintamente por sua consulta.

Nas paredes da repartição, alguns avisos pouco encorajadores, escritos em papel sulfite e garranchos de caneta Bic, com a aparência de estarem ali há muito mais do que apenas um dia.

- Devido à super lotação deste PS, informamos que todos serão atendidos, mas a espera deve levar entre 2 e 3 horas.

Trata-se apenas de um dos componentes a desencorajar o cidadão enfermo a qualquer tipo de reclamação.

Outros cartazetes:

-Desculpe o transtorno, estamos reequipando nossa unidade radiológica para melhor atender.

Este deve ter um século de existência, a julgar pelo equipamento que encontramos, cerca de duas horas e meia depois.

Há mais um digno de nota: - Estamos sem água!

Não entendi muito bem a finalidade deste, senão deixar ainda mais estarrecidos e apavorados, os desassistidos cidadãos.

Bem; como estávamos com sorte, pouco mais de uma hora depois meu amigo entrava em uma das saletas para ser examinado. Ressalto o empenho dos médicos que pareciam dispostos a enfrentar o batalhão de pacientes à sua espera. Que fique registrado, porque em outras visitas minhas a hospitais similares, como o Servidor Público Municipal, esta fila poderia levar mais de três horas. Em cinco minutos Zé saía da saleta com um papel para solicitação de Raio X.

Atravessamos o corredor passando por uma porta de vidro, guardada por um segurança, que aponta em direção a outra sala. Com TV e Zorra Total. Nela, tísicos e enfermos, crianças no chão brincando com os insetos e um cidadão funcionário, protegido por um balconete de madeira.
Sem tirar os olhos da tela do computador ele nos indica a colocação da ficha em um dos oito buracos existentes na parede ao seu lado. Onde se pode ler, Ortopedia.

Quarenta minutos mais velho, já incomodado com a demora no atendimento e a paciência Jônica do Zé, vou até a parede, antevendo a surpresa. A única ficha, ainda lá, há espera de hábeis mãos, era a dele. Intocada!

Por que hábeis mãos?

Ao chegar à sala indaguei àquele funcionário, o que estávamos fazendo ali, visto que os aparelhos de raios-X, ficavam do outro lado do hospital. A resposta foi simples:

- Pra digitar!
- Digitar o que?
- O pedido!
- Dos raios X?
- É.

Outros médicos, que não os ortopedistas, passavam de vez em quando por ali e retiravam de outros buracos na parede, fichas de pacientes de outras especialidades. A do Zé ficou lá, melancólica, solitária, por 40 longos minutos.

Resolvi voltar ao funcionário e reclamar. A sensação de que estava atrapalhando seu navegar pela internet ou sua paciência, a normal e a Spider, era constrangedora. Afinal, quanta indelicadeza de minha parte, poderia estar desrespeitando o funcionário público.

Esta também é mais uma peça daquele esquemão para desencorajar o enfermo e pacato cidadão a reclamar. O funcionário sisudo e com má vontade, faz-se de ofendido ou idiota, conforme sua necessidade, sendo incapaz de informar sobre o procedimento corriqueiro, o trâmite, o caminho que cada cidadão contribuinte deve desenvolver dentro da repartição. Ao menos não há aquela folhinha na parede, descrevendo a penalidade por desacato! Esta; mais comum em cartórios e instâncias jurídicas.

Resolvo entrar, insólito, vejo em primeiro plano cinco computadores novos, enquanto ainda estou construindo a imagem positiva, dou mais dois passos e me deparo com um enorme saguão, escurecido por cortinas nas janelas. Dividido por biombos que separam as inúmeras camas e pacientes sobre elas. Outros em cadeiras de rodas e uma mesa central.

Dirijo-me a uma mocinha que acabara de sentar, imagino que seja médica, relato o acontecido. Ela levanta disposta a encontrar alguém da ortopedia, vou atrás, ela entra em uma sala onde obtém a resposta:

- Os ortopedistas estão jantando. -Silenciosamente indago aos céus, revoltado!-
- Estão? - Quer dizer que há mais de um! E precisam jantar juntos?-

Decido virar as costas e retornar para o lado do Zé, em outros casos exigiria providências, mas como o maior interessado mostrava-se paciente e resignado, não disse nada. Antes, porém, resolvi ficar mais alguns segundos ao lado da ficha, e uma mulher que eu ainda não havia visto veio apanhá-la.

Fiquei sabendo então que ali ele deveria ser reexaminado por um ortopedista. Mas a médica ou enfermeira, resolveu agilizar o atendimento e pedir o raio do Raio X!

Saí discretamente para que os demais que se encontravam aguardando não achassem que eu os havia passado para trás. Sim; isto é muito comum entre as pessoas que se sentem desamparadas e fracas ante o sistema. Canalizar sua revolta contra o cidadão que faz valer seus direitos!

Passei a mão no Zé, entenda-se, chamei-o de canto e nos dirigimos ao Raio X. Mesmo sem ninguém à nossa frente, levamos 15 minutos. Voltamos de posse do referido à mesma salinha com buracos na parede e lá colocamos nosso exame. Fomos logo chamados. A doutora deu uma mexidinha no Zé, olhou a chapa e diagnosticou uma luxação de grau 1. O que traduzindo, quer dizer uma Censurado e colocou uma tipóia nele.

Com a sensação de estarmos indo embora fomos à sala de medicação, que ficava ao lado do PS Infantil, para que fosse aplicada uma injeção intramuscular nos glúteos do Zé.
Claro; ali não encontramos ninguém, mas fomos informados solidamente por um segurança:

- Ela já vem! Ela já vem!

Assim bem orientados, sentamos um pouquinho, coisa de uns 20 minutos apenas.

Dali; vejo um pai sentado com sua filha no colo, não tem mais de cinco anos. Nenhum deles se move. Passa das 23h30min, isso não é hora de criança estar acordada. Mais uma menina, no colo da mãe, certamente menos de dois anos, ela vomita no cesto de lixo estrategicamente colocado ao lado das duas, enquanto aguarda o atendimento.

Nas paredes, alguns recortes com motivos infantis, na tentativa de tornar menos assustador o ambiente de espera das crianças. Saio de perto, prefiro não ver e assim acalmo meu coração de pai. Que dor! Como é dolorosa a espera de um pai na fila de um PS Infantil!

A enfermeira que aplica injeções nas pessoas chega e num instante estamos liberados. É quase meia-noite, caminho pela arborizada Cidade Universitária até o carro do Zé. Este hospital atende apenas Uspianos e moradores de bairros próximos. É apenas mais um, igual a qualquer outro hospital público. Hospitais abandonados pelo PSDB e agora abandonados pelo PT!

Lula não traiu a mim, traiu as crianças que esperam nos pronto-socorros do Brasil!

Um Presidente que certamente não se lembra da sua infância!

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